
Bifobia é o preconceito que atinge apenas os bissexuais
Pouco comentado pela mídia e menos frequente do que outros, a bifobia existe e acontece mais do que se pode imaginar
Por: Mariana Torelli
Estamos acostumados com o padrão heteronormativo, onde outras orientações sexuais – que não a heterossexual – acabam sendo marginalizadas, perseguidas e, até mesmo, atacadas pela sociedade e crenças estabelecidas. Mesmo que involuntariamente ou indiretamente, muitas pessoas estão rodeadas por esse tipo de preconceito sexual.
Mas para entender melhor, é preciso saber qual a diferença entre orientação sexual e gênero. Esse último é separado entre masculino e feminino, por causa das características pertencentes de cada indivíduo. Elas podem incluir o sexo biológico de homem e mulher, mas também uma variação de intersexo - quando não se encaixa em nenhum dos dois gêneros mencionados.
Já o primeiro termo “classifica” por quais sexos (ou gêneros) uma pessoa se sente atraída fisicamente, romanticamente ou emocionalmente. É aqui que entra a sigla LGBTQIA+ e agora vamos saber o que cada letrinha significa.
A SIGLA DA COMUNIDADE
Cada letra está nessa sigla por uma razão. Ela foi criada nos anos de 1990 e é considerada uma adaptação de LGB, usada para substituir “gay”. Mas apenas esse termo não representa toda a comunidade LGBT e por isso, ativistas dessa causa resolveram adaptar e incluir as outras orientações sexuais e identidade de gêneros - que é o conceito para explicar a qual gênero uma pessoa se identifica – existentes.
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Atualmente, a sigla correta para se referir à comunidade é LGBTQIA+. Vamos entender o que cada uma significa:
L: lésbicas - mulheres que se identificam com o sexo feminino, mas têm preferência por outras mulheres;
G: gays – homens que se identificam com o sexo masculino, mas têm preferência por outros homens;
B: bissexuais – aqueles que têm preferência por dois ou mais gêneros
T: travestis, transgêneros e transexuais - são pessoas que não se identificam com os gêneros impostos pela sociedade;
Q: queer – essa classificação está mais ligada à um comportamento do que a sexualidade. Um exemplo são as drag queens, que brincam com os gêneros;
I: intersexuais – essas pessoas eram conhecidas, antigamente, por hermafroditas. Elas não conseguem ser definidas entre masculino ou feminino;
A: assexuais - englobam pessoas que não enxergam o sexo como primeira referência de desejo ou atração. Dentro dessa classificação, existem outras denominações.
O símbolo “+” é usado para mostrar que existem outras variações de orientação sexual e gênero.
BISSEXUAIS
A sexóloga da cidade de Campinas Julia Medeiros, explica que essas pessoas são fluidas. Isso quer dizer que, em determinados momentos, os bissexuais têm prevalência igual entre homens e mulheres. Mas em outros, eles podem preferir se relacionar mais com mulheres do que homens, ou vice e versa.
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Por mais que não pareça, também são alvos de preconceito, mas é pouco comentado pela mídia. Bissexuais atacados são alvos do que é chamado de bifobia, que, segundo a ativista Manu Bittencourt, do coletivo Bissexuality da cidade do Pará, acontece quando há “fetichização, hiper sexualização, heteronormatividade, homossexualidade compulsória e falsa ideia de indecisão. Devemos pensar o seguinte: vivemos em uma sociedade cis heteronormativa que tudo o que foge dos ‘padrões’ é errado. Se você não for cis, é errado. Se não for heterossexual, é mais errado ainda. E a bissexualidade, por ser uma sexualidade que gostamos de mais de um gênero, é motivo para que soframos a bifobia frequentemente.”
“O preconceito pega porque alguém que se expressa como uma pessoa bissexual, muitas vezes, por preconceitos sociais, se reprime em falar o seu desejo. Eu conheço alguns que se denominam como homossexuais, por vergonha, mesmo sabendo de suas preferências por dois gêneros. Ou seja, ela vive reprimida”, explica Julia.
A profissional ainda comenta que os bissexuais escutam comentários do tipo: “você está apenas indeciso”, porque “socialmente, fomos educados em um modelo patriarcal, sexista e misógino, de que o ser humano tem que ser uma caixinha. Ele foi colocado com um ser homem ao nascer, desejar uma mulher (...) e ser fértil. E a mulher, uma pessoa que se identifica com seu corpo (...) e tem atração por um homem.”
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Foi isso que aconteceu com a estudante Melania Hortencio, de Mogi Guaçu. Ela compartilhou o seu relato com a gente e você pode acompanhar logo abaixo:
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“Eu estava no último ano do ensino médio e costumava pegar carona (...) com uma amiga e tínhamos acabado de sair de uma prova de redação, cujo tema tinha sido algo parecido como a existência de personagens LGBTQIA+ nos desenhos infantis - foi uma época em que estava bem em alta a especulação da personagem Elsa de Frozen ser (...) lésbica. Quando entramos no carro, essa minha amiga comentou com a mãe sobre o assunto e acabou iniciando uma conversa que eu não lembro muito dos detalhes, mas acabou que a mesma se referiu às pessoas bissexuais como sendo confusas acerca da sua sexualidade. ‘(...) Experimenta um e depois outro porque não sabe o que quer’, foi a frase dita por ela que me marcou. Acredito que nunca fiquei tão chateada com algum comentário do tipo, como fiquei naquele dia.”
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O preconceito pode vir de quem se menos espera, e com a estudante de 21 anos não foi diferente. Ela relata que o maior de todos vem de dentro da própria casa, já que sua mãe ainda não aceita a orientação sexual de Melania. “(...) Foi como se tudo tivesse perdido a cor, apesar de explicar (...), ela segue acreditando que não existem pessoas assim, (porque) ‘ou gosta de homem ou gosta de mulher’. (...) É triste ouvir comentários ofensivos vindo dela só por ver uma pessoa diferente e eu sei que é proposital para que me afete.”
Para a psicóloga Karina Lopes Bernardi, esse tipo de negação vindo de familiares pode causar um sofrimento psíquico no bissexual. Ela diz que isso pode acontecer porque a pessoa tem “uma dificuldade de se aceitar e estar em paz com a própria sexualidade. Como estar em paz com algo que escutamos que é abominável?”
Mas se engana quem pensa que vem apenas de héteros. Muitas pessoas de dentro da comunidade LGBTQIA+, gays e lésbicas principalmente, também tem intolerância com bissexuais. A ativista Manu Bittencourt, também já citada, conta que ainda falta apoio das outras letrinhas com esse tipo de orientação. E Melania completa dizendo o porquê de isso acontecer: “eu já tinha ouvido falar sobre lésbicas que não aceitam ficar com garotas bissexuais e que algumas até mesmo tem nojo por conta de mulheres bi(ssexuais) também se envolverem com homens.”
A importância de se ter uma letra e coletivos que defendam e apoiem a causa bissexual, é muito importante. Manu conta que até 1998 não existia um símbolo para essa comunidade. Há 22 anos atrás, essa parcela da população - e da sigla LGBTQIA+ - conseguiu que fossem representados de verdade.
"Há pouco mais de duas décadas conseguimos, através de Michael Page, um símbolo de nossa luta. Porém, existem diversas divergências entre pessoas bissexuais, pois muitos de nós discordamos em vários assuntos. Por exemplo, se podemos usar ou não pronomes neutros”, completa a ativista.
Ela ainda comenta que a importância do coletivo é tratar esses assuntos, mas também se unir e “mostrar que não devemos ‘competir entre nós’, mas a favor de todos.” E Melania, também deixa um recado: “Pessoas bissexuais são válidas, somos reais, não estamos confusas ou indecisas acerca do que gostamos ou que quem gostamos e muito menos é uma fase, apenas amamos. Seja orgulhoso.”
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VOCÊ SABIA?
A população negra LGBTQIA+ é atingida, sendo mais da metade dos relatos das 24.564 agressões, segundo uma pesquisa baseada nos dados do Sistema Único de Saúde (SUS). Cerca de 41,1% das vítimas, se descreveram como brancas. O número de amarelos ou índios atingiu 1,8% e 6,8% não teve a raça divulgada.
Não tem como saber se as pessoas LGBTs negras são as mais atingidas porque, segundo os pesquisadores, não há uma medição de quantos existem no Brasil. Além disso, 57% dos LGBTs de 10 a 14 anos agredidos são pardos ou pretos.
Para saber mais sobre esse tipo de preconceito, denominado racismo – e que existe no Brasil – você pode conferir uma matéria sobre as interfaces do racismo!
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Bandeira que representa a comunidade LGBTQIA+. Fonte: reprodução

Para se ter uma ideia, segundo dados do serviço Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, 2,3% das 1.685 denúncias de violência contra LGBTs, eram bissexuais. Esse número, em comparação aos transexuais que somaram 31%, é pequeno. Mas serve para mostrar que existe esse preconceito e intolerância com a parcela da comunidade.
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Para Camilla Massaro, socióloga e professora da PUC Campinas, a violência com pessoas dessa orientação acontece porque “algumas diferenças que são comuns entre nós, seres humanos, são transformadas em desigualdade pela sociedade. (...) E a sociedade estabelece que a forma padrão de orientação sexual é a heteronormativa.”
A professora também explica que uma pessoa da comunidade LGBTQIA+, como os bissexuais, pode ser conservadora. “Isso se torna um dilema muito grande, internamente. Pode passar pela vergonha e não aceitação de ser como ela é, porque aprendeu desde criança que isso é errado.”
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MAS COMO É SER UMA PESSOA BISSEXUAL?
Melania, já citada aqui anteriormente, diz que se descobriu bissexual da forma mais natural possível. Ela conta que foi aos 14 anos, “(...) quando me apaixonei pela primeira vez na vida e foi por uma garota. Não éramos próximas, mas eu senti aquela paixão à primeira vista avassaladora e nutri esse sentimento por mais dois anos, foi tempo de nos aproximarmos e nos conhecermos melhor. Sempre fui muito transparente e disse a ela que me ajudou a me descobrir bi(ssexual). Hoje em dia somos muito amigas e eu gosto de lembrar dessa história, guardo essa descoberta e os sentimentos que dela surgiram, com muito carinho.”

A sexóloga Julia Medeiros. Fonte: arquivo pessoal

A psicóloga Karina Lopes Bernardi. Fonte: arquivo pessoal